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domingo, 30 de outubro de 2011

Deixa entrar

"A gente finge que arruma o guarda-roupa, arruma o quarto, arruma a bagunça. Tira aquele tanto de coisa que não serve, porque ocupar espaço com coisas velhas não dá. As coisas novas querem entrar, tanta coisa bonita nas lojas por aí. Mas a gente nunca tira tudo. Sempre as esconde aqui, esconde ali, finge para si mesmo que ainda serve. A gente sabe. Que tá curta, pequeno, apertado. É que a gente queria tanto. Tanto.


Acredito que arrumar a bagunça da vida é como arrumar a bagunça do quarto. Tirar tudo, rever roupas e sapatos, experimentar e ver o que ainda serve, jogar fora algumas coisa, outras separar para doação. Isso pode servir melhor para outra pessoa. hora de deixar ir. Alguém precisa mais do que você. Se livrar. Deixar pra trás.
Algumas coisas não servem mais, Você sabe. Chega. Porque guardar roupa velha dentro da gaveta é como ocupar o coração com alguém que não lhe serve. Perda de espaço, tempo, paciência e sentimento. Tem tanta gente interessante por aí querendo entrar. Deixa. Deixa entrar: na vida, no coração, na cabeça"




- Caio Fernando Abreu

O mundo dos sonhos é melhor

 
"Me manda mentalmente coisas boas. Estou tendo uns dias difíceis, sabe? Mas nada, nada de grave. Dias escuros sem sorrisos, sem risadas de verdade. Dias tristes, vontade de fazer nada, só dormir. Dormir porque o mundo dos sonhos é melhor, porque meus desejos valem de algo, dormir porque não há tormentos enquanto sonho, e eu posso tornar tudo realidade. Quando acordo, vejo que meus sonhos não passam disso, sonhos e é assim que cada dia começa: desejando que não tivesse começando, desejando viver no mundo dos sonhos, ou transformar meu mundo real num lugar que eu possa viver, não sobreviver "

- Caio Fernando Abreu

Aquele anjo ♥


 "Alguém me ensina a pensar menos nele? Alguém me ensina a não repetir centenas de vezes a mesma cena na cabeça ? E não fazer dessas lembranças o meu maior martírio ? Porque dói, dói muito pensar que há pouco tempo eu estive inteira com ele e o deixei partir, assim, sem insistir, sem nem um "fica mais um pouco?". É possível não sentir esses arrepios ao lembrar-me do toque, do cheiro, do beijo dele? Ah, eu daria tanta coisa para que aquele anjo estivesse aqui comigo agora, hoje, amanhã, sempre. Eu daria tudo pra vê-lo sorrir mais uma vez, mas quando estou com ele fico tão pequena, entrego-lhe o que ainda me resta, ele vai embora e eu fico aqui, me sentindo incompleta, me sentindo um nada, sobrevivendo apenas de migalhas da minha memória."


- Caio Fernando Abreu

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

"Frágil - você tem tanta vontade de chorar, tanta vontade de ir embora. Para que o protejam, para que sintam a sua falta. Tanta vontade de viajar para bem longe, romper todos os laços, sem deixar endereço. Um dia mandará um cartão-postal, de algum lugar improvável. Bali, Madagascar, Sumatra. Escreverá: penso em você. Deve ser bonito, mesmo melancólico, alguém que se foi pensa em você num lugar improvável como esse. Você se comove com o que não acontece, você sente frio e medo. Parado atrás da vidraça, olhando a chuva que, aos poucos, começa a passar."



- Caio Fernando Abreu

Uma tarde cinzenta


Mesmas palavras já desgastadas pelo uso. Mesmo gesto mecânicos. Mesmo objetivos já ultrapassados. Amores blasé. A mesmice de sempre, pessoas repetitivas. Começo a criar um desgosto pelas relações humanas, e pelos relacionamentos. Fumo três cigarros por dia na esperança de suprir esse vazio aqui no meu peito. Fumaça, preenche, fumaça, ocupa, fumaça, mata. Eu sei, mas morrer para mim parece como uma luz no fim do túnel. Cada baforada de cigarro que dou na janela volta contra minha face. Vista embaçada, vidro embaçado. Chuva. Merda de chuva. Ficar preso dentro de casa me corrói como ácido, nunca fui do tipo bicho-doméstico. Sou bicho-livre, cada dia um lugar. Cada lugar um grupo. Cada grupo um amor. Mutável. Promíscuo? Não, promiscuidade tem relação com sexo e falo aqui de sentimentos. Relação sentimental não sexual. Abri a porta e aquele vento frio bate no meu rosto.


- Chuva desgraçada - Pensei -, mas preciso comprar pão e algo para comer.

Cigarro e chuva, não é uma boa combinação. Não que seja perigosa só não é gostosa. No meio da chuva não. Piso cada força como se estivesse matando um bicho-de-sete-cabeças. Libero minha raiva, mas continuo com essa agonia dentro do peito. A chuva tem esse poder sobre mim, me deixa preso em casa e consequentemente meus monstros saem da gaiola. Viro o playcenter na hora do terror. Preparem-se que a bruxa esta solta. Cadáveres que pensei que estivessem em estado de decomposição surgem: zumbis. Vampiros sanguessugas vestidos de príncipes europeus. Fico sem reação esperando que alguém venha e salvar desses monstros ou que me acorde desse pesadelo. Merda! Convites para festas, boates e encontros regados a bebidas e gente bonita. E eu indo comprar pão. Mas de que adianta sair para festa e voltar para casa com o coração vazio. Se um dia voltar para casa com o coração aquecido e com um amor desses que valham à pena, aí sim recomendarei festas. Mas não, sempre a mesma coisa: Você se arruma como se nunca tivesse sido bonito, passa o perfume mais sedutor, vai para o tal lugar cheio-de-gente-afim-de-algo, sexo provavelmente, bebe, faz charme, encontra alguém, vai para casa ou pro motel ou qualquer lugar, mas sempre acaba sozinho na sua cama. Sozinho. Não minto, nem sou vidente. Prefito o conforto da minha casa a sair pelas ruas atrás de uma ilusão, no fim termino no mesmo lugar

- 4,70 senhor - A mulher do caixa avisa com sua voz irritante. Cabelo horrível, sempre tenho vontade de falar. Nunca falo.

Essa padaria sempre foi assim. Gente chata, gente feia. Essa chuva irritante não passa, pelo menos em frente à padaria dá pra ficar esperando um pouco. Vou pegar uma puta de uma gripe. Foda-se. Cada vez mais sem saco para pessoas, acho que peguei o vírus da imunodeficiência de relações interpessoais. Um grande amor, para mim isso é piada. Brincadeira de mau gosto. Comigo sempre foi assim. Pegadinha, eu não te amo e agora estou te deixando. Grande amor, grande coisa isso.

- Com licença, acho que conheço você. Por acaso não estava naquele bar semana passada?
- Hã? Não sei, qual bar?
- Aquele que fica de frente a uma praça. Não me lembro o nome agora. Você estava tomando umas misturas estranhas. Estava com uma calça presta justa, uma camisa xadrez. Era você sim, não esqueceria.
- Ah, sei sim. Foi em um sábado não? Aquela noite que estava fria. Eu me lembro.
- Prazer, Tiago.
- Prazer, Ian.
- Como você se lembra de mim tão bem ?
- Algumas pessoas marcam. Mesmo se não falamos com elas. Possuem alguma certa marca registrada. Seu sorriso, por exemplo, nunca irei tirá-lo da minha mente.
- Obrigado. Você é uma pessoa que dificilmente esquecerei
- E por que deixaria que me esquecesse? Moras onde ?
- Aqui perto. Umas duas ruas.
- Posso te acompanhar ?
- Com prazer.

A chuva passou. Agora só umas nuvens querendo impedir o sol de aparecer. Mas, o sol sempre aparece. Agora minhas angústias vão embora. Volto a ser bicho-livre. E o amor ? Bem, cada lugar um novo amor. Por que não ?

sábado, 15 de outubro de 2011

'Os maiores homens são os mais solitários'


"Eu era um solitário por natureza, que se contentava em viver com uma mulher, em comer com ela, dormir com ela e sair à rua com ela. Não queria conversas, nem passear, a não ser para ir às corridas de cavalos ou às lutas de boxe. Não gostava de TV, e achava estúpido gastar dinheiro para ir numa sala de cinema com outras pessoas e partilharas suas emoções. As festas me deixavam doente. Detestava as falsas aparências, os jogos sujos, os namoricos, os bêbados amadores e dos chatos. [...] Como solitário, eu não suportava invasões. Isto não tinha nada a ver com ciúmes, simplesmente não gostava de pessoas, multidões, onde quer que fosse, exceto nas minhas leituras. As pessoas se diminuíam-me e deixavam-me sem ar. [...] Eu não gostava de Nova Iorque, não gostava de Hollywood, não gostava de Rock, não gostava de nada. Talvez tivesse medo.... 'os maiores homens são os mais solitários'"


- Charles Bukowski

terça-feira, 11 de outubro de 2011

"... peço pra Deus cuidar da gente ... "

"Acho que não precisava ser assim. É tudo tão forte, tão profundo, tão bonito, não precisava doer como dói. Eu não podia apenas sorrir quando me lembrasse de você? Mas acontece tipo assim: lembro do seu rosto, do seu abraço, do seu cheiro, do seu olhar, do seu beijo e começo a sorrir, é assim mesmo, automático, como se tivesse uma parte do meu cérebro que me fizesse por um instante a pessoa mais feliz do mundo, mas que só você, de algum modo, fosse capaz de ativar. Eu sei, é lindo. Mas logo em seguinda, quando penso em quão longe você está sinto-me despedaçar por inteira. Sabe a sensação de arrancar um doce de uma criança? Pois é, sou essa criança. E dói. Uma dor cujo único remédio é a sua presença. Então sigo assim, penso em você, sorrio, sofro e rezo, peço pra Deus cuidar da gente, amenizar essa dor e trazer logo a minha cura."



- Caio Fernando Abreu